Evolução consciente

- Epistemologia -

Haverá corpo fora da matéria, vida fora do corpo, cérebro fora da vida, mente fora do cérebro, memória fora da mente, e consciência fora da memória?

Talvez o abandono do ninho pelo filhote, simbolize aceitavelmente o esforço empreendido pelos primeiros seres vivos para se libertarem da condição estacionária que lhes impunha a passividade da vida vegetativa, e que esse esforço os tenha impelido aos riscos da interação com a diversidade dos elementos componentes do meio ambiente. Esse árduo embate teria intensificado o exercício da função dos órgãos e membros primordiais, e estimulado a formação de outros, incluindo o advento do protomecanismo da central coordenadora das perdas e ganhos resultantes de tais confrontos, o que teria propiciado ao animal pensante hoje, deduzir que essa central coordenadora a que chamamos cérebro, teve início como resultante da interação entre o corpo e o meio ambiente.

Ao indagarmos por que o cérebro se localiza na cabeça e não no tronco, como o coração e outros órgãos, devemos considerar o sistema sensorial composto pela visão, audição, olfato e paladar, que é coordenado pelo cérebro e cuja solidariedade é obtida justamente por serem alojados no mesmo bloco móvel que é a cabeça, capaz de direcionar simultaneamente as respectivas funções desses órgãos ao objeto de interesse do corpo. Tudo é mensurado e ponderado; e essas funções consecutivas, sequenciais, conjugadas ou até simultâneas, tanto sensibilizam a rede de células a que viemos a chamar de neurônios, que essas células foram assumindo o aumento de especificidade funcional, a ponto de se tornarem programadoras de tais funções.

Semelhantes ao olho rudimentar que ainda opera a visão em algumas formas arquetípicas de manifestação vital, cujo simplório mecanismo consta de membrana translúcida que encobre conjunto de células fotossensíveis próximas e interligadas ao cérebro; e que sempre moduladas à luz local, avisam ao corpo quando uma contingente alteração de luminosidade é provocada pela aproximação de algo estranho; também os rudimentos do cérebro se apoiaram nessa reciprocidade de afetação que possibilita o olho aperfeiçoar o cérebro, enquanto o cérebro aperfeiçoa o olho. E o cérebro ainda pode dispor de outros agentes de aperfeiçoamento recíproco, que se estendem para além dos órgãos sensoriais e se manifestam na habilidade das mãos e de todo o mecanismo corporal.

Enquanto primitivamente o corpo apenas agia, desprovido de sensores que lhe informassem o grau da afetação provocada pelo objeto de sua ação, aqui já devemos considerar ação e reação, pois podendo avaliar a oposição imposta pelo adversário, o cérebro tem que considerar os riscos da investida em busca do alimento, e deve contabilizar através do cansaço e da dor, o dispêndio de energia resultante do esforço empreendido pelo corpo; e ainda estabelecer o critério econômico que investirá vigor na revitalização de tal ou qual órgão de locomoção, ataque ou defesa.

Posto que em dado momento o cérebro tenha sido apenas um conjunto de células afetado por todas as ações do corpo, e que justamente por meio dessas múltiplas afetações tenha se constituído em amplo arquivo do acervo da experiência vivida; logicamente a cada nova aventura do corpo, correspondia nova configuração do acervo. Um arquivo permanece obviamente inalterado, se defrontado com situação idêntica a um fato já anteriormente registrado.

Se um específico conjunto de células sempre comunica ao respectivo corpo, suas afetações frente a situações novas, quando porém, mostrar neutralidade diante de dada situação, deixará o corpo agir confortavelmente; pois o levantamento da identidade de tal ou qual circunstância, pode levar o cérebro a imprimir no corpo a sensação de segurança através da constatação de experiência anterior idêntica, ou sensação de perigo diante de circunstâncias estranhas.

É obviamente natural, que um cão de guarda negue-se a empreender qualquer esforço para avisar seu dono da aproximação de pessoas do seu relacionamento amistoso. Se o cão lida somente com pessoas amigas do seu dono, tem menos oportunidades de desenvolver sua eficácia, que o cão cuja atividade o leva a deparar-se frequentemente com situações diversificadas; e cujo aumento de desempenho suscita tamanha reciprocidade, que possibilita o dono do cão melhor avaliar os riscos da aproximação de estranhos.

O ladrão observa as casas e decide! Ao constatar o perigo, o cão ladra forte para acordar o dono, que pega a arma e acende as luzes. Fosse um reles vira-lata habituado a guardar a porta do sossegado casebre, um pouco de alimento seria suficiente para fazê-lo abanar o rabo alegremente, pouco antes de tombar envenenado aos pés do seu dono ainda dormindo. Mas o cão de guarda, é instruído para a diversidade de situações, e sabe rejeitar o petisco letal.

O ladrão, o cão, o dono; todos crescem em recíproco desenvolvimento promovido pelo “cão de guarda” comum, representado pelos seus respectivos cérebros. Talvez disso se possa inferir que o Criador não pretende vida fácil para a criatura, pois isso apontaria para um estado de lassidão incompatível com o desenvolvimento do espírito cognoscitivo.

Tivemos um corpo simples, que veio a ser assistido por um cérebro formado através das solicitações impostas pelo estado de carência. Agora consideramos um corpo dotado de cérebro, com exigências mais complexas, e que precisa ser assistido em sua evolução. Sendo que a eficácia de um conjunto, pode ser maior que a soma da eficiência de cada um de seus elementos, podemos vislumbrar que, associados em desenvolvimento recíproco e podendo dispor de experiência armazenada, corpo e cérebro suscitam a interferência de entidade capaz de levar a experiência a transcender a mera condição de destreza e habilidade dos membros, o que pouco difere ainda do saber instintivo , e ingressar no campo da estimativa, que precede a capacidade de calcular.

Já dotado do esboço de uma mente em atividade, o cérebro pode transcender a mera contabilização da avaliação dos riscos nas atividades de sustentação da vida, e levar o corpo a empreender ações mais complexas, pois já dispõe de processo mental de estimativa da probabilidade de risco. O aumento da complexidade na atividade geral do corpo, estimulou o rompimento da barreira que limitava as atividades do animal às ações de subsistência, e então, dotado de cérebro e mente, o corpo já pode inteligir suas atividades e, assumindo a liberdade de ação, rejeitar a tutela mantida pela natureza em forma de instinto animal.

Embora o custo inicial da rejeição tenha sido a “expulsão do paraíso” representada pela perda da proteção instintiva, a alcunha de Lúcifer - porta-luz - que foi imposta ao homem por ter assumido a faculdade de pensar, lhe causou tamanho sentimento de liberdade, que teria levado o cérebro e a mente ao intenso labor interativo que suscitou a caracterização da atividade intelectual propriamente dita.

Caracterizado e conceituado como tal, o intelecto assume a oposição que a Natureza lhe impõe através da negação do instinto tutelar, e doravante o homem só pode proteger-se mediante o emprego do conhecimento adquirido via intelecto. O filho do homem agora nasce desprovido de qualquer proteção instintiva, podendo mesmo em condições físicas normais de seu corpo adulto e sadio, ao ser, por exemplo, atirado a um lago, vir a perecer por afogamento, ao constatar que embora possa nadar, não sabe fazê-lo; visto que seu intelecto ainda não assimilou a convicção de que pode coordenar os membros em movimentos harmônicos e não conflitantes, indispensáveis à locomoção na água. É como se cada pássaro tivesse que aprender a voar, cada peixe tivesse que aprender a respirar imerso na água, e cada abelha tivesse que aprender a elaborar o mel; embora saibamos que eles já nascem instintivamente dotados de tais funções, pois, por não terem assumido a faculdade de pensar, não foram “expulsos do paraíso”.

Tomando-se o ego-mecanismo como a atividade primordial do complexo sistema de sustentação da vida, seja ela animal ou vegetal; veremos que a mais rudimentar das formas vivas já assume o egoísmo da existência parasitária, angariando seu sustento a qualquer custo, em detrimento da sobrevivência do hospedeiro. A ameba quer para si toda a vitalidade do organismo invadido, visto que seu grito de júbilo é: viva a ameba! Embora a sobrevivência parasitária nos pareça a forma mais explícita do ego-mecanismo, devemos também considerar que entre indivíduos da mesma espécie, é grande a agressividade na disputa pelos meios de sustentação da vida; conforme os cães que podemos observar ao se alimentarem juntos e que costumam se dilacerar mutuamente apenas para que um possa saciar-se antes do outro, visto que a ração abundante sobrará na manjedoura.

Soberanamente legisladora, a natureza implacável impõe sua compulsão em forma de apego à vida, e nenhum vivente fica livre dessa lei da sobrevivência, dissimulada em vontade de viver. De posse da chama vital, mergulha-se na mais infernal das condições de vida e luta-se tenazmente para continuar sofrendo, se a alternativa for a morte. Tamanha submissão à tal compulsão, não seria superada pelo animal simplesmente, tão pouco pelo vegetal. Enquanto o ego-mecanismo de autopreservação impõe através da vontade de viver, o dever de angariar o pão, ele consolida essa imposição através da tirania do estomago vazio, que atua em forma de angustia da fome; e do engenhoso mecanismo da dor, que obriga o vivente a evitar os danos físicos ao seu corpo, preservando-o confortavelmente sadio, pois assim bem recomenda o seu ego.

Injustiçado e vilipendiado por ter rejeitado aquela condição servil, o animal pensante porem, já sabe que não só de pão vive o homem, mas o homem vive de pão e pensamento. Denominado Humus, Homo, homem; vindo do lodo, do barro, do pó; afastado dos outros animais por ter assumido o advento da razão – pensamento, intelecto, verbo, logos, luz - daí Lúcifer - esse “demônio” o homem, passou a pensar em si mesmo e ocupar-se não somente com as adversidades do meio ambiente, mas a avaliar seu comportamento, estabelecendo juízo de valor. Da ex-tensão de seus problemas, veio a in-tensão de seus pensamentos. Ao invés de ocupar-se meramente, agora é a pré-ocupação. Dos conflitos entre o cérebro e a mente impostos por essa capacidade de memorizar, surge o arcabouço do mecanismo estrutural psicológico. É o rigor psíquico estabelecendo a consciência antropológica!

Sendo o intelecto capaz de inteligir e armazenar o conhecimento em forma conceitual concisa, embora horizontalmente; o impulso emocional resultante desse ganho quantitativo aciona o mecanismo psíquico para motivar todo o corpo a congratular-se com o intelecto pela conquista. A psique então, é resultante da afetação do corpo pelo impacto da atividade intelectual.

Enquanto o intelecto só pode atuar, na horizontalidade do seu mediatismo com o conhecimento, a psique o fustiga no afã de conhecer mais. Em resposta a esse estímulo, o intelecto se apodera de todo o trabalho da mente, enquanto essa se abastece no cérebro forte, que atormenta todo o corpo. Desse choque de forças, surge a centelha a que denominamos espírito, que vem a ser o status do corpo. O agente imediato do espírito é a psique. Se a psique tem bom nível de interação com todo o complexo fisiológico somático, o status é elevado.

O intelecto precisa saber mais, para fortalecer a psique. E esse saber flui para o status do corpo. O espírito enquanto status conscientiza o saber, estabelecendo o domínio do Eu. Essa consciência do eu anímico, é permeada pela alma universal, que é a Consciência absoluta, Criadora de todas as coisas. Daí o animal não ser meramente animado como um robô, mas ser animal, por natureza. Nós porém, os humanos, já não somos apenas animais; pois enquanto eles são um corpo, nós somos uma consciência anímica; uma consciência que tem, possui, governa um corpo.


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Um comentário:

  1. O homem caminha cada vez mais para a evolução.En
    contra-se pois,num processo evolutivo.
    Por que não poderá haver corpo fora da matéria,
    vida fora do corpo,cérebro fora da vida,mente fora
    do cérebro,memória fora da mente,e consciência fo-
    ra da memória.
    A Energia Vital,o Cosmo,o Universo,não são um só?
    Todos em um.Um em todos.
    E segundo Harlow Shapley,nós seres orgânicos,
    humanos,somos feitos da mesma matéria que as es-
    trelas.
    Então?E aí?

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