A nova senzala sem pão

- Sociologia -

A consciência criminosa,
ó criadores de ódio,
é produto da vossa alquimia.
A reação ao ressentimento,
ó indiferentes,
é a resposta ao vosso desprezo.

Quem vos fala aqui, é a sofrida consciência paterna que se estende sobre aqueles pobres adolescentes que deixam suas origens humildes e se dirigem às grandes cidades em busca do pão da sobrevivência. Se pudéssemos assumir a linguagem humana, talvez a vós que em troca de tão pouco e por tão longos períodos, lograis utilizar esses braços jovens, indagássemos: que fazeis desses nossos filhos? Vós os alimentais devidamente? Onde os pondes a dormir após os exaustivos dias de trabalho? Acaso os alojais nalgum cantinho onde possam com suportável constrangimento, considerar como suas moradias? O que recebem como presente de aniversário? Alguém lhes lembra essa data?

E no Natal, quando seus constrangidos corações sofrem o inevitável abalo adicional provocado pela beleza contagiante das multicoloridas caixas de presentes que circulam nas ricas portarias com destino às vossas residências? Que recebem esses vossos porteiros de edifícios, como presente de Natal? Se cada um de vós, que são tantos na comunidade, incluindo vossos filhos, entregásseis a cada um deles o mais singelo presentinho de Natal; certamente seus pobres corações vibrariam o suficiente para que eles se tornassem os mais fiéis dos vossos servos. Então não sabeis que a plasticidade dessa argila assume a abrangente gama de formas resultantes do vosso trato, e que se estende do mais dócil serviçal ao monstro mais abominável? Não sabeis que a ferocidade do assassino e o altruísmo do herói, são vertentes opostas da mesma energia a que chamais de coragem?

A Páscoa é outra oportunidade para que vós, sem o menor risco de vos despojardes de vossas riquezas, possais através do pequenino e tão representativo ovo de chocolate, consolidar os laços de fidelidade de vossos servidores que, como sabeis, vivem tão distantes de seus entes mais queridos.

Por que os abandonais tão cruelmente com vossa dilacerante indiferença? Por que vossos filhos e filhas não podem chamá-los pelos nomes e falar-lhes amistosamente? Por que protestais contra suas pequenas falhas com tanto desprezo a ponto de levar suas mentes despreparadas a planejarem como vingança a prática dos graves delitos, que justificam vossas decisões de entregá-los à polícia?

Não sabeis que assim como os recebeis jovens, fortes, dignos, para que vos possam servir em vossas construções, vossas fábricas e vossas residências, também deveis protegê-los e orientá-los para que, quando não mais possuírem juventude e saúde suficientes para servir-vos, possais vós então devolvê-los às suas humildes origens, se não com seus remotos sonhos de progresso representados pelo ínfimo pé-de-meia, ao menos com a dignidade de trabalhador preservada pela modesta aposentadoria?

Como podeis vós falar sobre a escravidão? Então não sabeis que outrora uma única casa grande alimentava e protegia centenas de escravos, enquanto que em vosso moderno sistema de escravidão, apenas dois ou três de nossos humildes filhos dedicam voluntariamente suas singelas vidas para servirem a tantas de vossas famílias no conglomerado a que chamais de edifício, essa nova senzala sem pão?

De onde vem esse desprezo formal que vos leva a jogar na lixeira de vossos confortáveis prédios os excessos de comida, quando sabeis que vossos servidores estão famintos? Vosso desprezo não martiriza só a eles, mas também a nós seus velhos pais; que muito sofremos ao imaginá-los em seus momentos de fome extrema, a lembrarem seus distantes casebres paternos, onde se saciavam regular embora modestamente, quando ainda eram nossas crianças.

Um comentário:

  1. Este texto merece divulgação.Muito bem elaborado.
    Sônia Bruno

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